domingo, 16 de setembro de 2018

Para onde vamos?



No seu recente livro, “Origem”, Dan Brown explora três das mais importantes questões que, ao longo da história da Humanidade, foram alvo de atenção por parte de religiões, arte e ciência, despertando paixões, tensões, intransigência, extremismos, guerras e morte: quem somos, donde vimos e para onde vamos?
Muito provavelmente, a resposta a estas questões nunca será conhecida pois, por muito que presumamos saber, por muito altos que sejam os ombros dos gigantes da ciência sobre os quais nos pongamos para ver mais longe, nunca deixaremos de ter uma visão muito local, parcial, distorcida pela nossa própria perspetiva, do universo em que existimos. O que, sim, podemos fazer, como espécie que tem alguma capacidade para modificar o ambiente imediato em que evoluciona, é decidir o sentido dos nossos próximos passos. 
Um crescente número de autores, analistas, tecnólogos, cientistas e autoapelidados futurólogos alertam para o facto de, nas últimas duas ou três décadas, tudo indicar que um novo “reino” parece ter emergido em termos evolutivos: o reino da tecnologia. Poder-se-á argumentar que somos nós quem o controla, que a tecnologia não passa de uma ferramenta, mas a realidade mostra que cada vez é menos assim. A tecnologia está em todo o lado, limita e condiciona tudo o que fazemos em todos os momentos da vida, toma decisões por nós, diz-nos o que ver, o que ignorar, o que fazer e o que pensar, substitui e anula o nosso livre arbítrio de forma insidiosa, disfarçada, mas inexorável. Fá-lo com tal êxito que a esmagadora maioria das pessoas acha que isso é extraordinário e desejável, que esse é que é o caminho, que é para aí que devemos ir.
Falamos com robots, programas de computador, e aceitamos o que nos dizem como verdade absoluta. A inteligência artificial (gosto mais do termo “inteligência sintética” utilizado por Dan Brown no seu livro) ameaça tornar-se num novo deus, omnisciente e omnipresente, aceite por todos, incluindo os mais acérrimos ateus, um deus criado por nós mas que já ninguém controla, um deus que nos desobriga de pensar, de decidir, de criar e, quiçá, de viver.
Estamos, claramente, numa encruzilhada: queremos que a tecnologia evolua no sentido de decidir por nós ou queremos ter uma palavra no nosso presente e, sobretudo, no nosso futuro? Queremos continuar a pensar ou contentamo-nos com uma vida decidida e controlada pela tecnologia, na qual nos basta ter um papel vegetativo? Talvez seja esta a última oportunidade para decidirmos para onde não queremos ir.

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Fast food


Graças à utilização generalizada das tecnologias da informação e comunicação (TIC), vivemos num mundo inundado de informação, no qual nem sempre é fácil distinguir o que é irrelevante do que não o é, o que é falso do que é verdadeiro, o que é abusivo do que é adequado. Quando a informação é excessiva transforma-se, de facto, num mero conjunto de dados de significado e utilidade duvidosos. Por isso, um dos maiores desafios dos tempos de hoje é o de sobreviver a tanta informação, resistir à ânsia de assimilar tudo o que nos chega, separar o trigo do joio.

Neste contexto, seria de esperar que os órgãos de comunicação social tivessem aproveitado a oportunidade para se diferenciar, informando com qualidade, marcando claramente a diferença entre ruído e jornalismo mas, infelizmente, parece que a maioria decidiu nivelar por baixo. Assistimos, assim, a noticiários nos quais os principais critérios editoriais são os do imediatismo, da "notícia" bombástica, do usar e deitar fora. A imprensa escrita segue-lhes o caminho, exasperante na sua superficialidade, "análise" fácil e inexistência de investigação. Há que dar a notícia a todo o custo mas de forma rápida, acompanhando o ritmo frenético de chegada de dados.

Quando se pretende dar a ilusão de profundidade e jornalismo de rigor explora-se o lado sensacionalista e as emoções fortes, a entrevista à vítima direta da tragédia, a repetição exaustiva de notícias iguais ou semelhantes no mesmo ou em diferentes contextos, numa tentativa de que o espetador ou leitor confunda drama em quantidade com qualidade noticiosa. Pensa-se, então, que se atingiu o auge da profissão, mas a realidade não podia ser mais distinta: bateu-se no fundo.

O resultado imediato do acesso generalizado à informação foi, ao que parece, o 'fast food' jornalístico, que enche o 'estômago' e anquilosa as 'artérias' do pensamento e análise crítica. Não se usaram os meios proporcionados pelas TIC para fazer melhor, mas sim para fazer mais e pior.


Felizmente, nem tudo é mau. Existem já vários órgãos de comunicação que perceberam o erro e exploram agora o chamado 'jornalismo lento'. Talvez agora possamos ver que acesso generalizado a informação e jornalismo de qualidade não são incompatíveis, antes pelo contrário.  Há, apenas, que utilizar o poder das TIC para trabalhar melhor e fazer bem aquilo que nunca deveria ter sido feito mal.

sexta-feira, 12 de maio de 2017

Guerra e paz


Todos nós já ouvimos falar de ciber-ataques, dirigidos não só a pessoas, mas também a empresas, organizações e países. Ao abrir uma porta para o mundo, as tecnologias da informação e comunicação (TIC) abrem, simultaneamente, pontos de ataque às nossas "casas digitais", ou seja, aos nossos equipamentos e contas pessoais, aos serviços, bases de dados e sistemas de informação das empresas, aos serviços públicos e governamentais, aos sistemas militares e a todas as infraestruturas críticas. 

É claro que os mecanismos e ferramentas de segurança informática têm evoluído muitíssimo nos últimos anos, mas não é menos certo que o mesmo se passa com os tipos de ataques. Não se pense que os ataques informáticos são só coisa de filmes de Hollywood, pois eles ocorrem literalmente a cada instante, em todo o mundo e com uma intensidade e eficácia que deixariam espantado o cidadão comum. Há muitos anos que se trava uma guerra sem tréguas nem quartel entre os "bons" e os "maus", sem vencedores claros.

O mundo já não funciona sem TIC. Quase todas as empresas, sejam elas pequenas, médias ou grandes, têm presença na Internet e muitas delas dependem disso de forma crítica. No entanto, cerca de um terço das empresas já foi alvo de ataques informáticos, cujos efeitos podem ser tão variados como a interrupção dos serviços, a perda de informação, o roubo de dados de clientes, a chantagem e consequente pedido de resgate, ou o desvio de fundos, entre muitos outros.

Nesta matéria é surpreendente verificar que os organismos governamentais são também alvo de ataques informáticos bem sucedidos. As fragilidades devem-se a um conjunto variado de fatores, como sejam a falta de cultura de segurança informática, a escassez ou inexistência de meios humanos especializados,  a deficiente comunicação entre os especialistas e os decisores e, ainda, a incapacidade tecnológica. Para além disto, também é preocupante a crescente exposição de infraestruturas críticas aos ataques informáticos como, por exemplo, infraestruturas de telecomunicações, de produção e transporte de energia, de distribuição de água, de controlo de tráfego, ou de cuidados de saúde. 


No entanto, casos recentes relacionados com eleições em diversos países mostram o nascimento de um novo tipo de ataque, de que é alvo a infraestrutura mais crítica de todas: a democracia. Ao que parece há uma enorme apetência por desestabilizar países e sociedades, gerando tensões e conflitos que, nos dias de hoje e graças às TIC, rapidamente atingem uma dimensão global e podem dissolver a ténue linha entre a ordem e o caos, entre o errado e o certo, ou entre a guerra e a paz. Infelizmente, não só para o progresso servem as TIC.

sexta-feira, 29 de julho de 2016

O fracasso da Economia


Ninguém duvida já que as tecnologias da informação e comunicação (TIC) mudaram o mundo, em especial nos últimos 20 anos. Todos os setores de atividade sofreram um profundo impacto com as TIC, que revolucionaram métodos produtivos, serviços, negócios, ciência, ensino, política, lazer e cultura, criaram novas profissões e incontáveis postos de trabalho. Tiveram, portanto, um efeito na economia dos países e na economia global.

E qual terá sido o impacto nas “ciências da economia” propriamente ditas? Será que a Economia, aqui entendida como o ramo do saber que, ao nível teórico, procura criar modelos que expliquem os fenómenos económicos e, ao nível prático, procura aplicar, confirmar ou refutar tais modelos mediante experimentação ou utilização em situações reais (que me perdoem os entendidos esta definição, mas encontrei tantas definições contraditórias que engendrei esta como a que me pareceu melhorzinha), acompanhou a revolução gerada pelas TIC? A mim parece-me claramente que não.

A título de exemplo, note-se a quantidade de críticas ao Fundo Monetário Internacional (FMI), vindas de conceituados economistas, pelas medidas agora claramente consideradas erradas que foram tomadas em recentes resgates a países europeus, medidas essas também tomadas por conceituados economistas. Mas afinal andamos a brincar com os povos de países inteiros, fazendo experiências e logo verificando que não resultaram? Se isto fosse na área médica ou na área da engenharia há muito que os responsáveis teriam perdido a licença, mas na economia tudo é diferente. É que ninguém sabe nada de nada!

Os modelos são os do princípio do século passado, 1929 mais coisa menos coisa. Só que o mundo atual não é o de 1929. As sociedades não estão isoladas, os países não estão isolados, as pessoas não vêem apenas a sua família e os conhecidos do bairro. Hoje, o que uma pessoa faz em qualquer canto do mundo pode ter impacto imediato em todo o mundo. Uma medida tomada numa empresa, numa cidade ou num pequeno país é ou pode ser conhecida imediatamente à escala planetária. E tudo isto por causa das TIC.


Talvez a conclusão de tudo isto seja a de que a Economia não existe. O que existe são as sociedades, a psicologia, as ciências sociais, as tecnologias de comunicação, as redes sociais, as pessoas, a opinião coletiva e individual, os desejos coletivos e individuais, os anseios e os receios coletivos e individuais. E para um sistema com tal complexidade, enormemente aumentada pelas TIC, não existe modelo que valha. Deste ponto de vista, a Economia fracassou.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

e-fatura


Graças às fantásticas tecnologias da informação e comunicação (TIC), já estivemos mais longe de um estado no qual deixará de ser necessário submeter a declaração anual de rendimentos. De facto, tem sido um processo gradual mas seguro.

Primeiro, começou-se por poder submeter a declaração através da Internet. Que avanço tecnológico! Os formulários em papel deixaram de ser necessários e todos ficaram maravilhados com esta (aparente) desburocratização. Pouparam-se incontáveis e inúteis horas em filas, otimizaram-se recursos humanos e materiais, houve, de facto, melhoria qualitativa.

O passo seguinte foi o do pré-preenchimento de certos campos, com dados provenientes de entidades patronais, seguradoras, entidades bancárias e serviços do Estado. Foi o início do popularmente chamado “cruzamento de dados”. É claro que quem não deve não teme, e todos agradecem o facto de certos campos da referida declaração serem preenchidos de forma automática, o que só pode ser classificado como prático.

Agora estamos a assistir a um novo passo, que é o do registo de todo o tipo de faturas. Mais uma vez, só há vantagens, a começar pelo combate à fuga ao fisco (isso sim, um flagelo a eliminar) e pelo benefício fiscal para os contribuintes. Quem vende ou presta serviços declara-os à Autoridade Tributária, que os associa ao contribuinte, num processo conhecido como e-fatura. O contribuinte, por sua vez, se for coca-bichinhos e não tiver nada mais interessante que fazer na vida, poderá dedicar-se a perder horas a fio a confirmar fatura a fatura, documento de despesa a documento de despesa, regozijando-se quando encontra uma falha, cuja resolução o levará a mais algumas horas de puro “prazer”.

Se não fosse pelas implicações necessariamente desinquietantes, seria o paraíso da burocracia, o expoente máximo do controlo processual e financeiro: um sistema no qual tudo, absolutamente tudo, fica automaticamente registado nos serviços do Estado, para efeitos fiscais, naturalmente, até ao dia em que alguém se lembre de o utilizar para mais alguma coisa como, por exemplo, a segurança do Estado de direito, a investigação criminal, ou o rigoroso cumprimento da Lei nas suas mais variadas áreas. E quem pode opor-se ao cumprimento da Lei?

De facto, já não estamos no 1984 de George Orwell. Estamos muitíssimo mais à frente e não só em termos cronológicos. Sem nos darmos conta, estamos, isso sim, a construir uma sociedade muito mais limitadora e assustadora, na qual trocamos o direito à privacidade pelo beneficiozinho fiscal e pela ilusão de usufruir das comodidades do avanço tecnológico. Na realidade, talvez esta seja uma e-fatura demasiado alta.